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Por que os partidos políticos brasileiros são apenas legendas?

19/09/2007

*Thomas Korontai


Não se pode dizer que a participação popular em partidos políticos no mundo democrático seja grande. Mas, no Brasil é ridícula. O repúdio dos brasileiros em relação à política, políticos e partidos já vem de longa data e cresce cada vez mais. Obviamente, os últimos acontecimentos no Congresso – mensalões, sanguessugas, pizzaiolos e reis do gado – desempenham papel fundamental para agravar ainda mais a situação. Mas, não é só isso.

A verdade é que existem muitos erros de estruturação do modelo político eleitoral no Brasil, distorcendo completamente o difícil processo da prática democrática. Para se ter uma idéia, o Brasil tem 28 partidos políticos e reclama que são muitos. Nos Estados Unidos, são mais de cem partidos nacionais, mas muitos pensam que são apenas dois. Na Alemanha são seis partidos no Parlamento, mas existem vários outros partidos estaduais.

O erro da legislação brasileira é que um partido, para ser formado, deve ter abrangência nacional e foro na Capital Federal. Começa aqui o surgimento do conceito de legenda, ao invés de partido. O que é um partido político? É uma associação de pessoas com finalidade política em torno de um programa, um conjunto de propósitos partidários, o que seria o objeto social da respectiva entidade. Já uma legenda, não passa de um cartório para abrigar candidaturas, uma vez que no Brasil não é possível se candidatar sem legenda.


Um grupo de pessoas poderia constituir um partido político para atuar unicamente na cidade ou no estado, ou apenas começar como qualquer outra entidade. Se os propósitos forem abrangentes em nível nacional, o partido poderá crescer em outras localidades, até conquistar um número suficiente de eleitores que justifiquem a presença de um representante dessa parcela da sociedade. É a cláusula de acesso, melhor do que a cláusula de barreira (no Brasil sempre se pensa negativamente), tentada pelo TSE – Tribunal Superior Eleitoral e derrubada pelo STF, em face de sua inconstitucionalidade.

No Brasil, qualquer uma das legendas com apenas um deputado federal, independentemente de sua posição, tem cadeira no Congresso, sem representar a ninguém, nem mesmo as poucas centenas de filiados. As legendas deixaram de ser partidos políticos na essência, atuando como sociedades anônimas, ou seja, salvo melhor juízo, todos têm dispositivos estatutários que garantem o poder para alguns e excluem a maioria esmagadora dos filiados dos processos decisórios – que passam a ser apenas “fichas assinadas”.

O voto cumulativo, por exemplo, é um desses absurdos que estimula a criação de vários órgãos partidários, muitos de fachada, para que determinados membros da cúpula ou apadrinhados políticos possam ter mais votos. Filiados que têm cargos no Executivo ou no Legislativo também têm mais votos do que filiados comuns. Funcionam como empresas quando não deveriam ser assim, já que partido político é de interesse publico, embora de direito privado.

Por que a Lei 9.096/95 não disciplinou esse tipo de conduta? Porque foi feita em causa própria. Pasmem, mas há legendas em que o presidente é literalmente o dono, acumulando mais de 50% dos votos sozinho, determinado pelo estatuto.

Há casos em que candidatos a cargo eletivo, para serem indicados, devem fazer uma doação expressiva para a legenda. E o horror se instala junto aos filiados que não sabem como funciona uma legenda que aceita, por acordo de cúpula, o ingresso de um político de passado totalmente desabonador e que, em contrapartida, tem um ‘curral eleitoral’ que garante eleições sucessivas.

Para completar, muitos filiados são obrigados a ‘engolir’ a coligação de seus partidos políticos com legendas absolutamente antagônicas ao programa partidário, ou mesmo à ideologia que defendem. Os estatutos, então, também são alterados a bel prazer daqueles filiados com maior número de votos, contrariando todas as regras de democratização de uma entidade eminentemente política.

Não é à toa que os brasileiros não se sentem motivados a participar de um partido político. Um partido político deve ter, acima de tudo, um processo democrático de igualdade interna, prevalecendo o mérito político de cada um pelo trabalho e suas qualificações. Para que isso ocorra, começa com a igualdade do poder de voto: um filiado equivale a um voto. Assim, o filiado passa a ter poder de decisão, seja participando de pleitos internos, seja votando em eleições primárias para escolha dos candidatos que representarão o partido e suas idéias diante da Sociedade, ou ainda votando as alterações estatutárias.

Aqueles que advogam em causa própria elaboraram a Lei 9.096/95, que se revela inconstitucional em vários pontos, criando dispositivos que discriminam brasileiros aptos a formar um novo partido político, exigindo foro em Brasília, assinaturas de apoio em nove estados, em volume equivalente a 0,5% nacional dos votos válidos para deputados federais, sendo todas manuais e devidamente autenticadas pelos respectivos cartórios zonais eleitorais.

A exigência dessa Lei extrapola os limites da Constituição, retira direitos políticos de brasileiros, impinge obrigação de poder econômico acima da média, limitando o pluripartidarismo garantido pela Carta Magna. Para aprová-la, convenceram os brasileiros de que há muitos partidos no Congresso. Ninguém contesta o que é verdade, mas é fato também que preferiram, ao invés de promover a regionalização dos partidos, criar o seu próprio mercado político e fechá-lo a possíveis novos concorrentes. Ou seja, criaram um oligopólio da política.

Para manter esse oligopólio, a discussão sobre reforma política tem se debruçado sobre temas que não devem alterar esse quadro, essa zona de conforto que criaram. Os temas giram em torno do voto distrital, de fidelidade partidária e programática, de coligações – que deveriam ser proibidas –, da cláusula de barreira etc. Ninguém toca na liberdade de organização da estrutura partidária, que já extrapolou o limite do bom senso.

Já que o Direito no Brasil é positivo e formalista, que se determine, então, que um partido político tenha sim interesse público e, embora privado, deva obedecer aos princípios democráticos de qualquer associação sem fins lucrativos, principalmente por ser uma associação muito especial. Só com essas mudanças começaremos a ter partidos políticos no Brasil. ♦

*Thomas Korontai é presidente do Partido Federalista (www.federalista.org.br)
e autor do livro “Brasil Confederação” (Editora Pinha, 1993)

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